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Como as famílias podem ajudar ou prejudicar a recuperação de um dependente químico !

 



A família é um dos principais pilares para a recuperação do dependente químico, sendo corresponsável pelo tratamento e reinserção social de seus entes ou pelo possível fracasso do processo de recuperação.

O sucesso da recuperação depende em parte do suporte emocional e disposição que os familiares precisam ter para ajudar o dependente químico a entrar em recuperação e a disposição para se submeterem a um processo terapêutico.

Não é nada inusitado que os familiares se tornem codependentes e é incomum que eles percebam que seus comportamentos agravam a situação do dependente químico, pois suas atitudes são normalmente confundidas com: bondade, amor e proteção.

A codependência se caracteriza por um distúrbio acompanhado de ansiedade, angústia e compulsão obsessiva em relação à vida do dependente químico. Pode-se dizer que familiares que se tornam codependentes também apresentam uma forma de dependência, não de substâncias, mas sim do vínculo com o dependente químico.

Esses sentimentos levam os familiares a três ações que agravam a doença: tratam o dependente como uma criança fazendo tudo por ele, desqualificam ou simplesmente o abandonam (adotando uma postura de distanciamento). Nenhuma das três atitudes contribui para a recuperação, muito pelo contrário.

Quando se fala em dinâmicas familiares e principalmente na situação de familiares de dependentes químicos o assunto se torna complexo, pois a dependência química é já é um si um tema multifacetário. Existem muitos fatores envolvidos e a forma como cada família lida com crise (ou muitas crises) depende muito dos recursos desenvolvidos.

Segundo a teoria de Wegscheider-Cruse (descrita no livro Understanding co-dependency)* existem papéis específicos que as famílias de dependentes químicos podem desempenhar na dinâmica familiar.

A teoria afirma que há “o facilitador” (aquele que financia ou ajuda o usuário a conseguir a droga, ou mesmo permite que use em casa), “o herói” (aquele que assume responsabilidades domésticas e geralmente adota papéis de pais, mesmo não sendo), o “bode expiatório” (pessoa que causa problemas e que serve de para-raios para as tensões familiares, desviando a atenção dos problemas reais), o “mascote” (frágil e imaturo, tem por função divertir os outros, considerado como o cômico da família, consegue trazer um pouco de conforto na casa), a “criança perdida” (isolada e solitária, passa despercebida na família; não causa aborrecimentos e até cria a sensação de certa normalidade no ambiente familiar) e por último há o “adicto” (aquele que usa e abusa de substâncias).

Cada um desses papéis acaba ocupando uma função na dinâmica familiar para conseguir adaptar-se rapidamente ao problema ou ainda tornar crônicos os comportamentos desenvolvidos. Todos trabalham inconscientemente para que o ciclo do vício, da dependência ou da crise seja mantido como unidade a todo custo.

Na verdade, segundo Wegscheider-Cruse, a codependência existiria apesar da presença ou não de dependente químico na família, sendo, portanto, uma doença de relacionamentos, onde um dos membros pode ser um membro quimicamente dependente. Ele explica que estas famílias são adictas a crises, elas se tornam acostumadas a viverem em um ambiente de tensão e traumas.

É consenso entre os psicólogos, a constatação que o codependente normalmente perde o foco de sua própria vida e se desorganiza, vivendo em constante ansiedade, trazendo muitos desequilíbrios psicológicos e emocionais e que isto acaba gerando muitas vezes doenças físicas para si próprio. Todo esse processo acaba atrapalhando muito, o resultado é sempre desastroso para todos!

“Quando se pergunta ao codependente qual é a prioridade da sua vida, geralmente ele citará o dependente químico. O movimento patológico da codependência vai levando a pessoa a colocar a si mesma e os seus planos em último lugar, enquanto traz gradativamente o dependente para o centro da sua vida. O trabalho mais efetivo com os codependentes é restabelecer o equilíbrio, é devolver o posto de prioridade da vida para seus sonhos, para sua autonomia e para a sua própria felicidade”, é o que afirma Sergio Castillo, psicólogo e especialista em dependência química, responsável pela Clínica Grand House, centro de tratamento para dependência química e suas comorbidades, com mais de 20 anos de experiência na área.

Sergio Castillo complementa: “a terapia familiar evidencia a efetividade no engajamento e na permanência dos usuários e seus familiares no tratamento. O conjunto de objetivos da terapia familiar beneficia tanto o paciente quanto a sua família, pois ambos estão recebendo apoio psicológico e focando em suas prioridades”.

As pesquisas evidenciam que as intervenções terapêuticas no tratamento da dependência química, cuja base é a família, podem ter maior sucesso no engajamento, na retenção e no resultado do que as intervenções focadas somente o próprio indivíduo. Por isso o papel da terapia familiar torna-se muito útil no processo de recuperação, pois pode ajudar a modificar comportamentos que interferem nas interações familiares.

Citando ainda a teoria de Wegscheider-Cruse, ao olhar para suas funções, a família pode ser mais capaz de identificar seus próprios padrões e comportamentos que perpetuam o ciclo de crise e assim conseguir melhorar a comunicação, a habilidade de resolver problemas e fortalecer as estratégias de confrontação em situações críticas.

Procurar ajuda profissional para o tratamento da dependência química é sempre fundamental e pode transformar a vida das pessoas de forma positiva.

Fonte: * WEGSCHEIDER-CRUSE, S. Understanding co-dependency. Flórida: Health, 1990

Autor: Gleisiane Lorena
Pedagoga MASP 1.473.265-5

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